OE 2024: Mais empobrecimento e mais um golpe nos serviços públicos

19 de Outubro, 2023

Desde a sua eleição, em 2022, que o Governo tem aprofundado o seu desgaste. Em particular no último ano, tem enfrentado fortes greves dos trabalhadores da educação e da saúde, bem como manifestações contra o aumento do custo de vida e pelo direito à habitação. Este desgaste tem-se traduzido numa queda do PS nas sondagens, com os eleitores a irem quer para a sua esquerda, quer para a direita. Com as eleições europeias à porta, o Governo aproveita a apresentação deste novo orçamento para preparar a sua campanha eleitoral.

O Orçamento do Estado para 2024 (OE2024) é, assim, direcionado especialmente para esses setores que se afastam do PS – pensionistas, jovens e classe média – deixando de lado as necessidades daqueles que não fazem parte da sua base eleitoral tradicional. Assim, o Governo enche a boca de boas notícias e de promessas para recuperar votos. Mas não quer isto dizer que o Governo apresente realmente soluções para os problemas que o país enfrenta. Ao estilo que Costa já nos habitou, o Governo PS brinca com os números para que a realidade pareça mais cor-de-rosa do que é.

Superávit de pobreza

O Governo tem anunciado muito entusiasticamente que este OE2024 prevê um superávit de 0,2% do PIB, quer isto dizer que as receitas serão superiores às despesas do estado. Aliás, anuncia que muita da despesa adicional que marca este orçamento vem do superávit estimado para 2023.

Estas supostas boas notícias esbarram com a realidade sentida por grande parte dos trabalhadores em Portugal. Segundo dados da Eurostat, 20,1% da população portuguesa vive em risco de pobreza, e todos sabem o caos em que têm estado os serviços públicos.

Neste contexto, um superávit orçamental só significa que o estado, tendo dinheiro para resolver alguns destes problemas, prefere não o fazer. É um primeiro sinal de como este orçamento não tenta recuperar

Aumento dos impostos para os mais pobres e isenções fiscais para as empresas

Comecemos pelo aumento do salário mínimo que passará, a partir do próximo ano, para 820€. Este valor, apesar de ser uma melhoria face aos míseros 760€ de salário mínimo atual, continua a estar abaixo das necessidades. Especialmente num panorama de aumento de custo de vida, com a habitação a atingir custos recorde, 820€ continua a ser manifestamente pouco.

Outra medida que o PS tem anunciado vitorioso é a redução do IRS. Trata-se de uma manobra para ir mais longe que a proposta inicialmente apresentada pelo PSD, mas esta medida beneficia principalmente as classes médias, já que 40% das famílias estão isentas de IRS por receberem o salário mínimo. Por outro lado, o Governo “compensa” esta redução de impostos nas classes médias aumentando os impostos indiretos para todos. De fora ficam, é claro, os bancos e as grandes empresas, que viram os seus lucros crescer com o aumento das taxas de juro e da inflação.

Ao mesmo tempo que vemos um aumento dos impostos indiretos, o Governo apresenta novas isenções fiscais para as empresas. Medidas como o incentivo fiscal à renovação de frota do transporte de mercadorias; apoio a encargos suportados com eletricidade e gás ou mesmo redução do IRC (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas) para empresas que criem novos postos de trabalho para trabalhadores com mestrado ou doutoramento. Mas o que tem dado mais que falar é o alívio do IRC para aquelas que façam aumentos salariais. Mais uma vez, é o Estado a subsidiar as empresas, sempre com o cuidado de não afetar as suas sagradas margens de lucro.

Governo tapa os olhos ao aumento do custo de vida

Com o ritmo de crescimento da inflação a abrandar, o Governo fez os cálculos políticos e, acreditando que o aumento do salário mínimo e redução do IRS será o suficiente para enganar os mais distraídos, não apresenta nenhuma política para resolver o aumento do custo de vida.

A medida do IVA 0%, apresentada no ano passado, traduziu-se num bónus para as empresas distribuidoras, que conseguiram assim engrossar as suas margens de lucro à custa de aumentos que, doutra forma, seriam absorvidos pelo imposto. Agora, com o fim desta medida, o que se espera é que os preços dos alimentos – que já se encontram nos mesmos valores de quando foi aplicada a medida – tenham uma subida abrupta.

Trabalhadores da educação e da saúde continuam sem resposta

Há já um ano que os trabalhadores da educação têm levado a cabo greves e manifestações fortes, às quais o estado tem respondido com repressão e ilegalidades, sem se mostrar disponível para realmente negociar com os trabalhadores às suas reivindicações. Neste OE não se antevê uma resposta aos problemas que enfrenta o setor. Em particular, a contagem integral do tempo de serviço dos professores não está contemplada, nem um reforço dos trabalhadores não docentes.

Já para o orçamento da saúde – e não apenas do Serviço Nacional de Saúde –, o Governo apresenta um aumento de €1,2 mil milhões. Destes, €873,4 milhões estão previstos para investimento. São mais 17% face ao estimado para execução este ano, mas convém recordar que o orçamento para a saúde apresentado no ano passado previa um aumento da despesa para investimento de €914,1 milhões, dos quais, até agora, se prevê que apenas €746,5 sejam de facto executados. Ou seja, num momento em que o SNS está com urgências e maternidades a fechar, o Governo apresenta um aumento no investimento abaixo daquilo que foi apresentado no ano passado e, tal como no ano passado, o mais provável é que nem esse valor seja alcançado.

Os restantes €377 milhões de euros a acrescentar ao orçamento estão previstos para a despesa com pessoal, um aumento de 6,3%. Segundo Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, este aumento de 6,3% está apenas relacionado com os aumentos salariais já previstos para os escalões da função pública, e não com uma preocupação do Governo fixar profissionais no serviço público.

No OE2024 não está prevista nenhuma reforma do SNS, a não ser a “Grande Reforma” – já anteriormente anunciada pelo PS –, que visa concentrar a gestão dos hospitais do SNS em 32 Unidades Locais de Saúde, medida que não responde, em nada, aos problemas enfrentados pelo SNS, como já denunciamos também. O Governo não parece estar interessado em responder às reivindicações dos trabalhadores da saúde, nem em reforçar o SNS para manter as urgências e maternidades abertas. Assim, o que se antevê é o perpetuar da crise no SNS.

Sem soluções para a habitação

A crise na habitação, outro tema que tem sido uma preocupação para a população, também não parece ter uma resolução. O OE2024 anuncia que o orçamento da habitação passa para o dobro, comparado com o ano anterior, mas isso não significa que resolve de facto a crise.

Parte do orçamento reserva recursos para subsídios, destinados a aliviar o esforço financeiro das famílias com as rendas. Isso indica que a estratégia do governo para lidar com os altos valores das rendas continua a ser focada nos subsídios aos senhorios, em vez de implementar um sistema de tabelamento das rendas

Uma parte deste orçamento servirá para subsídios com o objetivo de mitigar o esforço das famílias com as rendas. O que isto significa é que a solução do governo para os elevados valores das rendas continua a ser o subsídio dos senhorios e não o tabelamento das rendas.

Para além destes subsídios, o orçamento servirá também para financiar programas já anteriormente anunciados pelo Governo. Um deles é o “1º Direito”, o qual prevê a construção de 26 mil casas até 2026 para famílias a viver em situações habitacionais consideradas indignas – um número claramente insuficiente, visto que o próprio governo identificou 86 mil famílias a viver nessas condições. Outro é o tão falado programa “Mais Habitação” que, como já apresentamos antes, não tenta resolver a crise da habitação e dedica-se a isenções fiscais e subsídios.

O Governo deixa também um desejo no OE2024: o aumento da oferta pública no mercado habitacional o que, segundo o documento, ajudaria a regular o mercado e contrariar a especulação. Mas trata-se de uma ilusão para o Governo fingir-se preocupado com a especulação, já que não apresenta nenhuma política concreta para alcançar isso. Mas o que realmente demonstra é que o Governo não está interessado em domar o mercado imobiliário e tentar controlar os preços. Se estivesse, teria tabelado as rendas e colocado os imóveis devolutos disponíveis no parque público habitacional.

Transição Climática é usada apenas para justificar mais impostos

O governo continua a ignorar a urgência da crise climática e os seus efeitos dramáticos para Portugal. O país vive agora em período de seca praticamente permanente, e incêndios cada vez mais devastadores. O OE não prevê verbas para estes problemas, mas não deixa de apresentar falsas soluções verdes. O Governo PS aproveita a urgência desta crise para justificar um agravar dos impostos na população – especialmente na mais pobre – enquanto subsidia empresas para agravar a destruição ambiental. Alguns exemplos, já previstos neste orçamento, são os aumentos do IUC para carros anteriores a 2007 e o imposto extra de 0,04€ para os sacos leves.

A falta de preocupação do Governo na crise climática é evidente até naquilo que está mais interessado em assegurar: o continuar dos acordos com empresas como a Galp ou a mineração de lítio no norte do país. Mas tem primeiro de enfrentar as populações, que já deram sinal que não se vão deixar ficar de braços cruzados enquanto a sua terra é destruída pela política extrativista do Governo.

Aumento da militarização

Portugal não é excepção à tendência internacional para a militarização e aumento do orçamento militar nos países da NATO. Assim, o OE2024 prevê um aumento de 13,7% para a defesa, num total de €2,850 mil milhões.

Este sinal é preocupante especialmente quando comparado com o subfinanciamento crónico de serviços essenciais como saúde e habitação. Isto revela que a prioridade do governo não está em garantir a solução para os problemas que o país enfrenta.

Conclusão

Em última análise, o OE2024 reflete uma estratégia política que prioriza a retórica, dizendo que aumenta salários, reduz impostos e aumenta investimento nos serviços públicos quando, na realidade, faz precisamente o contrário. O desmantelamento contínuo dos serviços públicos, a falta de medidas eficazes para combater a crise na habitação e a ausência de uma abordagem séria à transição climática continuam a ser a política do Governo PS. O que este orçamento deixa claro é que os trabalhadores terão de continuar a apostar na sua capacidade de lutar para conseguir realmente resolver os problemas que o país enfrenta.

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